O Triângulo da Tristeza
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
17 NOVEMBRO | 21H30 | IPDJ
O TRIÂNGULO DA TRISTEZA
Ruben Östlund, SE/ DE/ FR / DK, 2022, 102’, M/12
Sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
Imprensa
"A comédia perfeita para os nossos tempos." Time Out
“Vim arrebatado pelo extenso e hilariante TRIÂNGULO DA TRISTEZA de Ruben Östlund: uma comédia passada num iate de luxo que é como um Gramsci a fazer o “Carry on Cruising” ou um “Poseidon Adventure” feito pelo Luis Buñuel. Luta de classes, piadas com vómitos e Woody Harrelson como o maluco Capitão Haddock da história.” The Guardian
“Que loucura! (…) Não me lembro de me ter rido tanto durante um visionamento em Cannes. É um cruzamento de A REGRA DO JOGO com O DEUS DAS MOSCAS e o resultado é uma sátira brincalhona, selvagem e belissimamente louca.” The Film Stage
“Extremamente engraçado, intrépido e absolutamente louco.” Total Films
“Hilariante. Uma masterclass em comédia desajeitada.” Deadline
“Hilariante e perspicaz.” The Playlist
“Arrojado e brilhante” The Telegraph
- À CONVERSA COM RUBEN ÖSTLUND
Comecemos pelo título: a que se refere “triângulo da tristeza”?
É um termo usado na indústria da beleza. Uma amiga minha sentou-se ao lado de um cirurgião plástico numa festa que lhe disse, depois de lançar um rápido olhar ao seu rosto: “Ah, tens um triângulo de tristeza bem profundo... mas 15 minutos de Botox resolvem isso”. Ele referia-se a uma ruga que ela tinha entre as sobrancelhas. Em sueco, chama-se ‘ruga de problemas’ e sugere uma vida com muitos problemas. Eu achei que isso dizia algo sobre a obsessão que se vive actualmente com a aparência e que põe em segundo plano o nosso bem-estar interior.
FORÇA MAIOR passa-se numa estância de esqui e O QUADRADO no mundo da arte contemporâneo. O que te levou a ambientar TRIÂNGULO DA TRISTEZA no mundo da moda?
Fiz algumas pesquisas sobre o mundo da moda em 2018, quando colaborei com o meu amigo Per Andersson e desenvolvi uma pequena linha de roupa para a Velour, a sua marca sueca de moda masculina. Também obtive uma visão bem profunda do sector graças à minha companheira, Sina, que é fotógrafa de moda. Quando nos conhecemos, ela falou-me muito das estratégias de marketing para diferentes marcas de moda e também das condições de trabalho dos modelos. Por exemplo, geralmente, um modelo masculino ganha apenas um terço daquilo que ganha um modelo feminino. Achei que seria interessante olhar para essas diferenças através dos personagens principais, um modelo masculino e um feminino chamados Carl e Yaya.
Quando comecei a pesquisar para o filme, vários modelos masculinos contaram-me que muitas vezes têm de gerir os avanços de homens homossexuais poderosos da indústria que querem dormir com eles, por vezes com a promessa de uma carreira mais bem-sucedida. Sob alguns aspectos, ser um modelo masculino espelha aquilo com que as mulheres têm que lidar numa sociedade patriarcal
Então interessa-te o facto de a beleza ter um valor económico, seja no mundo da moda ou no mundo “normal’?
Sim! Essa era a ideia inicial. A nossa aparência é uma das coisas fundamentais com que temos de lidar enquanto seres humanos. O nosso aspecto afecta todas as nossas interacções sociais. O facto de a aparência desempenhar um papel tão importante na sociedade é uma espécie de desigualdade universal. Paradoxalmente, venhas de onde vieres, podes nascer bonito e essa beleza pode ser usada para ascender na escala socio-económica numa sociedade de classes. Uma piada recorrente entre as modelos femininas é que quando a sua carreira termina, elas podem sempre casar-se com homens ricos e tornarem-se esposas decorativas, algo que não se verifica entre os modelos masculinos.
Ergo, mais uma vez, recorreste ao olhar sociológico como um caminho para uma ideia…?
Como em todos os meus filmes, o meu ponto de partida é olhar para o comportamento humano. Muitas cenas em TRIÂNGULO DA TRISTEZA têm uma ligação com um estudo sociológico ou um episódio que eu considero destacar algo, do ponto de vista comportamental.
Há um estudo em particular que achei extremamente interessante: cientistas observando zebras na savana africana estavam a tentar perceber porque é que elas tinham uma pelagem preta e branca, se viviam na savana. Não seria melhor terem um pêlo amarelo como a savana arenosa? Estudar zebras individuais revelou-se praticamente impossível, porque elas desapareciam no rebanho. Decidiram então marcar uma das zebras com um ponto vermelho, tornando-lhes mais fácil segui-la. No entanto, o ponto vermelho destacou-a e ela foi quase imediatamente atacada por leões.
Os cientistas perceberam rapidamente que o padrão preto e branco não existe para as camuflar no ambiente, mas sim para as esconder no rebanho. Os cientistas traçaram paralelos connosco, humanos, e apontaram algo de fascinante sobre a indústria da moda. Vestimo-nos de forma a tentarmos esconder-nos no grupo social ao qual estamos ligados. A nossa roupa é a nossa camuflagem. Basta pensar na nossa preocupação quando vamos a um jantar chique: não queremos ir bem-vestidos demais nem levar roupa demasiado casual. Se falharmos a nossa avaliação, sentimo-nos expostos. Do ponto de vista económico, realmente faz sentido que as marcas de moda estejam sempre a criar colecções novas. Isso leva-nos a ter de actualizar o nosso guarda-roupa e a consumir mais.
Não foi por acaso que chamei ‘Discreet Bourgeoisie’ [Discreta Burguesia] à linha de moda que criei para a Velour. Uma das minhas peças era o “Smoking Lumière”, que baptizei em homenagem ao cinema em Cannes, onde recebi a Palma de Ouro por O QUADRADO, em 2017. Podes usar o smoking como uma espécie de camuflagem entre a culta classe-média. O smoking Lumière permite-te esconderes-te na manada de Cannes com muita eficiência.
Também abordas questões relacionadas com os papéis de género e as expectativas comportamentais, principalmente com Carl e Yaya, quando estes discutem sobre quem deve pagar o jantar no início do filme.
A cena do restaurante é inspirada na minha própria experiência com a Sina. Perto do início da nossa relação, eu queria impressioná-la e convidei-a para Cannes. Paguei o jantar na primeira, na segunda e na terceira noite e depois pensei: “Porra, vou ter de pegar o touro pelos cornos e ter uma conversa sobre isto. Gosto demasiado dela para assumir o papel de homem e mulher, em que o homem paga sempre a conta”. O que vêem no filme é o que aconteceu entre nós: a discussão no elevador Martinez; ela a enfiar a nota de 50 euros na minha camisa e eu a passar-me e a gritar; eu, sentado sozinho na sala a pensar: “Já dei cabo da relação”; e, depois, a discussão sincera que tivemos quando ela finalmente regressou. Estávamos finalmente prontos para nos expor, para revelar a nossa vulnerabilidade e, consequentemente, para nos aproximarmos.
Tentaste fazer do Comandante do navio em TRIÂNGULO DA TRISTEZA um marxista…
Eu diria que ele é um idealista, um alcoólico e um marxista.
Por essa ordem?
Pela ordem que quiseres! Tive a ideia de pôr o Comandante a dar o seu Jantar do Comandante, uma refeição com sete pratos, na noite em que o barco é atingido por uma tempestade. Os passageiros ficam enjoados e o Comandante fica tão bêbado que começa a ler o “Manifesto Comunista” pelo alto-falante, enquanto os passageiros vão vomitando. Para que isso fosse possível, o Comandante tinha de ser um idealista, um alcoólico e um marxista.
Que sentes em relação aos ultra-ricos?
Interessa-me ver como reagimos quando somos mimados. Por exemplo, quando eu viajo na classe executiva, comporto-me de forma diferente do que quando viajo na classe económica. Estou ali sentado, a ler pausadamente e a bebericar lentamente, enquanto observo os passageiros a dirigir-se para a classe económica. É quase impossível não nos sentirmos afectados por esse privilégio.
Dizes que faz parte da natureza humana os super-ricos comportarem-se de forma privilegiada e mimada?
Eu acredito que as pessoas ricas são boas. Geralmente, as pessoas bem-sucedidas tem muita competência social, senão não seriam tão bem-sucedidas. Perdura o mito de que pessoas ricas e bem-sucedidas são horríveis, mas isso é redutor. Eu queria que aquele casal inglês querido tivesse as personagens mais simpáticas do filme. Eles são gentis e tratam toda a gente com respeito – acontece simplesmente que fizeram fortuna com minas terrestres e granadas de mão. É provavelmente uma descrição mais precisa de como o mundo se parece.
Esta é na verdade uma pergunta retórica, mas os filmes – e, de facto, a cultura em geral – podem mudar a sociedade?
Claro. Teria de se ser um bocado estúpido para pensar o contrário. Um dos meus colegas na escola de cinema perguntou ao meu mentor, o produtor de cinema sueco Kalle Boman, se os filmes podem mudar a sociedade. Ele respondeu: “Todos os filmes mudam a sociedade”. E claro que isso por si só pode ser problemático. Na Suécia, muitos jovens têm morrido nos chamados tiroteios de gangues e no meio cultural mantém-se o debate de se tentar perceber se o gangster rap influencia o nosso comportamento. Responder sim a essa pergunta não é o mesmo que ser pró-censura. Acreditamos na liberdade de expressão, mas também devemos estar atentos às consequências que essa expressão cultural pode gerar.