O Monge e a Espingarda
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
DIA 22 MAI | IPDJ | 21H30
O MONGE E A ESPINGARDA
Pawo Choyning Dorji, Butão, 2023, 107’, M/12
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
notas críticas
Segundo filme de Pawo Choyning Dorji, realizador que levou o Butão aos Óscares em 2022, O Monge e a Espingarda é um divertido e imprevisível conto sobre o equilíbrio entre a modernidade e a tradição. - DN (Inês N. Lourenço)
A democracia chega ao Butão, desencadeando uma série de acontecimentos inesperados. Umacomédia comovente e humanista. - Les Inrockuptibles
Uma comédia maravilhosa que desafia todas as expectativas. Uma curiosidade. - Première
Um filme inesperado e divertido. - Washington Post
Uma divertida sátira política. - RogerEbert.com
Muito engraçado. Tem ideias sobre a democracia e sobre a democracia dos EUA. - Film Week
Descontraído, mas perspicaz, O MONGE E A ESPINGARDA é uma convergência despreocupada de modernidade e tradição, do urbano e do rural. - Screen International
entrevista com o argumentista e realizador Pawo Choyning Dorji
UM IAQUE NA SALA DE AULA foi filmado com uma pequena equipa e pouca luz, numa montanha remota no Butão. Tirando algumas cenas na cidade, O MONGE E A ESPINGARDA foi filmado com tecnologia e equipa semelhantes?
Para a produção de UM IAQUE NA SALA DE AULA, decidi filmar na aldeia de Lunana, uma das povoações mais remotas do mundo. Fi-lo porque o tema do carácter remoto era essencial para a história e queria que parecesse o mais autêntico possível. Ao decidir filmar em Lunana, enfrentámos grandes desafios de produção. Tínhamos uma equipa pequena porque chegar à localização principal requeria uma árdua caminhada de duas semanas sobre os picos mais elevados dos Himalaias. E usámos o equipamento e material mais básicos não por escolha, mas porque usar equipamento caro e moderno era pouco prático, uma vez que nem havia electricidade.
Para a produção de O MONGE E A ESPINGARDA, não houve necessidade de a história decorrer num local tão isolado, pois o carácter remoto não era um tema importante. Ura, a localização principal do filme, é uma aldeia rural, mas tem acesso a comodidades modernas como electricidade e estradas. Portanto, aproveitei isso para ter uma equipa maior e usar equipamento de realização mais moderno. Contudo, em relação aos filmes internacionais, esta produção foi bastante básica. Não temos câmaras nem equipamento de iluminação no Butão. Por isso, tivemos de o alugar em Nova Deli, na Índia, e demorou uma semana a chegar à localização principal.
Os monges têm uma importância central neste filme. Qual é o papel deles na sociedade butanesa e essa importância difere em áreas urbanas e rurais? A maioria das pessoas ficaria chocada ao ver um monge armado?
O budismo no Butão não é apenas um caminho espiritual, é uma forma de vida. Os ensinamentos de Buda influenciam todos os aspectos da cultura e das tradições butanesas. Com isso em mente, os monges, que são vistos como a representação física dos ensinamentos de Buda, são tratados com muito respeito, veneração e devoção no Butão. É verdade que a veneração e respeito são mais evidentes em partes rurais, onde a urbanização e a ocidentalização ainda não chegaram. Eu queria que as personagens do lama e do monge personificassem a veneração butanesa da cultura e das tradições budistas. Uma personificação onde há tanto respeito pelo consagrado que as pessoas rurais nem questionam ou hesitam perante a audácia de um monge em ter uma arma, porque há tanta confiança nos ensinamentos de Buda que a motivação por trás de um acto é muito mais importante do que o próprio acto. Também é importante realçar o valor do simbolismo na cultura butanesa, como o poder simbólico de objectos pode, por vezes, ser mais importante do que o próprio objecto.
Este filme decorre no início da lenta introdução da democracia no Butão. Em muitas outras sociedades, a democracia instalou-se após alguma revolução. Como foi no Butão?
Uma das principais razões para eu querer contar esta história foi para partilhar com o mundo, e relembrar aos butaneses, as circunstâncias únicas que levaram à abertura e modernização do Butão.
Ao longo da História moderna, a existência do minúsculo Butão dependeu da sua capacidade de se manter irrelevante. A política de Auto-Isolamento ajudou o Butão a sobreviver e a resistir ao colonialismo e à influência estrangeira, enquanto os seus vizinhos Tibete e Siquim perderam a sua independência. À medida que o mundo adoptou modas de globalização como a Coca-Cola, o McDonald’s, a MTV e a democracia, o Butão agarrou-se teimosamente às redes de segurança do passado, com o rei enquanto única autoridade e os 2500 anos de ensinamentos de Buda como guia para como viver a vida. O mundo foi entrando na idade digital, mas os butaneses escolheram evitar a Internet, os telemóveis e a televisão por cabo, para preservar o nosso modo de viver único. Contudo, no início do século XXI, quando o filme se desenrola, o Butão viu a sua própria existência ameaçada ao ser deixado para trás num mundo digital politizado. Achei que seria um cenário colorido para contar a história de O MONGE E A ESPINGARDA, uma altura em que o Butão se tornou o último país do mundo a ligar-se à televisão, a permitir as televisões e, provavelmente, um dos únicos países onde um sistema democrático foi adoptado sem qualquer exigência ou revolução de massas, tendo sido introduzido por um rei que, voluntariamente, abdicou do trono para que o seu país e povo pudessem encontrar o seu lugar no mundo.
Agora que passaram mais de 15 anos desde a sua introdução, como acha que está a correr a democracia no Butão? Houve alguma tensão resultante de poder escolher e discórdias?
Penso que 15 anos é um período demasiado curto para avaliar o processo democrático do Butão. Nos últimos 15 anos, houve três eleições e três partidos democraticamente eleitos lideraram o Butão. Se analisarmos a democracia nos EUA, por exemplo, foram precisos 72 anos e 18 rondas de eleições para o sistema dos EUA desenvolver os partidos políticos de republicanos conservadores e democratas liberais.
A democracia no Butão ainda está na sua infância, e ainda nos estamos a habituar a ela. Naturalmente, ainda há muitos casos de pessoas a aprenderem a discordar de outras, o que é uma novidade na nossa cultura.
No filme, a maioria das pessoas parece suspeitar da democracia e ter dúvidas de que isso trará prosperidade e alegria ao país. Isso mudou e acha que está a ser benéfico?
Numa cultura em que o sentido de comunidade está muito enraizado, a chegada do individualismo e de ideologias individualistas causou e pode continuar a causar apreensão.
A dádiva da democracia foi cuidadosamente planeada e implementada com a supervisão de Sua Majestade, o rei, e de membros cultos da nossa sociedade, com o melhor interesse da nação em mente. Agora cabe a nós, o povo, honrar esta visão e motivação e estar à altura dos nossos deveres enquanto país democrático.
Que significa para o rei do Butão a “Felicidade Interna Bruta”? A democracia fazia parte desse plano?
Conceitos como a “Felicidade Interna Bruta” e a veneração de qualidades como a “inocência” são as razões pelas quais estou a tentar partilhar as histórias butanesas com o mundo. O Butão pode ser pequeno, mas tem muito para partilhar.
A procura da “felicidade” pode ser vista por alguns como algo abstracto e uma ilusão. Mas para nós, os butaneses, não é um truque de marketing, mas um princípio-guia integrado na nossa cultura e espiritualidade. Em 1729, quando o governo butanês redigiu o seu primeiro código legal, a declaração inicial proclamava que o propósito de um governo era proporcionar felicidade ao seu povo e, se um governo não conseguisse proporcionar felicidade, não tinha razão para existir. A “Felicidade Interna Bruta” é o princípio orientador das nossas actividades de desenvolvimento e a visão para a qual nós, enquanto povo e nação, aspiramos. Criada numa altura em que o estatuto do Butão enquanto nação independente estava num estado volátil e nos estávamos a juntar ao mundo global como parte das Nações Unidas, a noção de “Felicidade Interna Bruta” incorporou o que o Butão defendia e aspirava para o seu povo. É a capacidade de se adaptar a situações em mudança através de meios sábios e habilidosos que permitiu aos nossos reis liderar o país ao longo de circunstâncias que colocaram em perigo a soberania da nação. É também com a mesma sabedoria e habilidade que somos gentilmente guiados para aceitar e prosperar enquanto democracia.