Os Coristas
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Categoria hospedeira: Ciclo do mês
8 OUT | IPDJ | 21H30
OS CORISTAS/ Les Choristes, Christophe Barratier, França/Suíça/Alemanha, 2004, 97’, M/12
trailer, sinopse e ficha técnica: aqui
Entrevista a Christophe Barratier - 'Les Choristes' (2004)
10 da manhã, Hotel Tivoli, em Lisboa. É-me apresentado Christophe Barratier, realizador do filme “Les Choristes”. Simpático, apertou-me a mão e sorriu, falando-me em francês. Fala a língua? Um pouco, muito pouco... Apreensiva de fazer a entrevista em francês, interpelei-o sobre a possibilidade de nos entendermos em inglês. Com ar simpático, mirou-me e confessou que tinha uma melhor fluência no espanhol... e foi nesta língua (que ele fala perfeitamente) que seguiu o nosso diálogo.
Os Coristas foi a tua primeira longa-metragem; antes tinhas já feito uma curta metragem e trabalhado em produção. Foi difícil esta passagem?
Trabalhei em produção, de facto, e realizei anúncios. É sempre complicada esta passagem porque é sempre difícil fazer o seu primeiro grande filme. É verdade que eu era já conhecido no mundo do cinema e que tinha a confiança de actores de renome, como é o caso de Gerard Jugnot (Mathieu); assim, esta confiança ajudou-me muito a ter financiamento. Porém, é sempre complicado, porque em França é difícil fazer cinema. É sempre complicado convencer a fazer um filme e temos sempre os olhos postos no estrangeiro. Porém, tive a sorte de esta ser uma película considerada mais barata, logo, foi mais fácil conseguir o financiamento de que precisava.
Esta película foi um remake do filme de 1945 “La cage aux Rossignols”...
Bem, não é bem um remake... quer dizer, é a palavra certa, mas eu não a considero um remake, foi mais uma inspiração muito livre. Quando vemos o meu filme e o outro há coisas parecidas, de facto... a base é a mesma, um homem que ensina música numa escola, que vai fazer cantar as crianças. Mas o original é muito mais católico, na mensagem, e o meu trabalho com as crianças é totalmente diferente. Assim, vejo o meu filme muito como a minha história, porque quando vi o filme originalfiquei surpreendido com o paralelismo entre a história do filme e a história da minha vida. Fui uma criança que, não tendo sido abandonada, fui deixado com a minha avó, no campo, porque os meus pais eram divorciados e actores que viajavam muito. Para eles era mais fácil não andarem comigo pendurado. Durante quatro anos vivi com a minha avó e, como todas as crianças que não vivem com os pais, estava um pouco deprimido, triste, sensível... e entretanto encontrei um professor de música que me ensinou; na verdade, a música mudou a minha vida. Esse homem mudou a minha vida e deu-me mais confiança em mim e no meu talento. Ajudou-me a entrar no Conservatório, foi o meu mentor... Assim, os Coristas têm na base o primeiro filme mas é também a minha história.
Foi então assim que tiveste a ideia de fazer este filme?
Não, não... eu estava a fazer a minha curta-metragem e depois os anúncios. Procurava escrever um argumento, mas quando escrevia era sobre a minha infância. Claro que a união da música com o cinema é para mim fundamental. Mas o processo criativo acabou por ser uma coisa natural.
Escreveste dois temas para a banda sonora do filme. Inspiraste-te na tua experiência musical?
Sim, claro, sei escrever música e escrevo todo o tipo de música. Já escrevi música clássica mas também, quando era guitarrista, escrevia canções ao estilo de Bob Dylan ou Hotel California (canta). Tenho assim uma vasta experiência de escrever canções, nem que seja para mim mesmo. Quando trabalhei com Bruno Coulais na música do filme, ele disse-me que faltavam ainda duas músicas das seis que eram necessárias, e pensei “vou fazê-las eu mesmo!”. Foi um bocado por acaso, e também por uma questão de falta de dinheiro: escrevi todas as letras das músicas porque não tinha dinheiro suficiente para pagar a alguém que o fizesse por mim.
Escreveste também o guião do filme, em parceria com Phillippe Lopes-Curval. Como foi a experiência? Sentiste muitas dificuldades?
Não, o guião escrevi eu, e depois trabalhei com o Phillipe a nível dos diálogos. Dificuldades não, mas muito trabalho sim! Trabalhámos no guião durante 16 meses, com 4 versões diferentes. Isto é mais ou menos o tempo normal para um guião. O tempo normal é um ano, ano e meio, mas os americanos, por exemplo, demoram 4 ou 5 anos a escrever um guião. O cinema norte-americano é quase sempre “Hollywood” mas a realidade é que a qualidade do guião é sempre muito boa porque trabalham durante muitos anos.
A escola onde estão as crianças é muito peculiar. Tiveste muitos problemas em encontrar um lugar assim? Foi uma exigência da tua parte, a escola ter estas características?
Sim, absolutamente. Quando lemos a documentação da época, vemos que a escola era mais normal, mais bonita e pequena. Mas queria transmitir a ideia de uma prisão; muito grande, muito pesada para estas crianças, para que elas parecessem muito pequenas. Os muros muito altos ajudam a reforçar essa ideia. Vi muitos sítios, mas sempre fui atraído pelos castelos. Depois da segunda guerra mundial, em França, havia muitos órfãos e meninos vítimas da guerra, com pais que não os podiam sustentar. Os ministérios e o governo não tinham sítios suficientes para colocar todas as crianças e assim alugaram muitos dos castelos que eram abandonados pelos donos. Vi muitos, e todos eles eram desapropriados para uma situação destas, onde têm de estar crianças a aprender. A ideia era mostrar isto: colocar 60 crianças num castelo que mais parece uma prisão, uma cidadela.
E como foi a experiência de trabalhar com tantas crianças, ainda para mais crianças sem experiência de representação?
Há que dar-lhes muita confiança para ganhar a confiança deles. O mais difícil era trabalhar com as crianças que tinham papéis de maior relevo, como o jovem cantor, Morhange (Jean-Baptiste Maunier) que é um cantor de verdade e não tem nenhuma experiência em representação. Com Jean-Baptiste tive muita sorte, porque encontrei-o apenas 3 meses antes de começar a filmar. Organizei muitas sessões de leitura do guião com ele, para dar-lhe o tempo, a história e a personagem. Mas as crianças são um pouco como os animais, há que ter paciência e preparar muitas coisas (risos). É um problema também com o tempo, porque não podemos filmar mais de seis horas por dia quando as cenas envolvem duas crianças e há que organizar muito mais. Com as crianças não tive dificuldades específicas... na verdade, é mais fácil trabalhar com elas do que com alguns actores!
No fim de contas, tiveste dificuldades nesta película?
Claro, porque quando dirigimos uma obra prima, ao início é muito difícil. A primeira semana é dificílima, porque é como se fossemos o capitão de um barco enorme, onde temos de lidar com as crianças, os adultos, os técnicos e o calor, porque filmámos no Verão de 2003 e em França estava um calor incrível. Para as crianças e para nós era muito difícil. Além disso eu estava muito nervoso, mas na segunda semana encontrei um ritmo de trabalho normal e foi como se, subitamente, o sol brilhasse e tudo corresse bem. É um pouco como o provérbio: depois da tempestade vem a bonança!!!
A maior parte da acção remete a 1949, como um grande flashback. Porque situaste o filme em 2004?
É uma história sobre as crianças mas também e, sobretudo, sobre o que recordamos da nossa infância. É como ter um livro da nossa história, uma análise, uma terapia. Este homem que agora é muito rico e muito famoso nunca se lembra do professor que era tudo para ele. Passou na sua vida apenas durante uns quatro, seis meses e esse tempo, quando se tem 12 anos, parece muito pouco e muito distante. Para mim, era muito importante que não fosse só a história de 1949 mas a história deste homem. Penso que foi um elemento que tocou ao público, porque as pessoas pensam “Quando eu era criança era assim...” há uma identificação muito clara com as crianças, principalmente porque eles estão presos. Quando há crianças fechadas entre 4 paredes há sempre uma identificação total. Também é para que as crianças de hoje conheçam o que se passava na época e para os adultos se lembrarem do que passou. Para mim, é também para recordar o que se passou na minha própria infância.
Há uma personagem que me encantou particularmente, que é o pequeno Pepinot. Como te surgiu a ideia desta personagem que espera o seu pai todos os Sábados?
É muito simples. Eu mesmo esperei muito o meu pai à porta da escola. A sério. E nunca o meu pai me foi buscar... assim, o que se passa com Pepinot é um pouco o que se passou comigo.
Sei que o teu filme foi seleccionado para os festivais de Montreal 2004 e de Karlove Varo. Sentes-te honrado com a distinção? Pensavas ter uma aceitação tão grande?
Mais do que os festivais é importante que o filme seja visto pelo público. O que importa é que agora o filme está em cerca de 60 países, que são tão diferentes como Taiwan, Hong-Kong, Portugal, Brasil ou México e até na América do Norte. Em França, quando temos um êxito muito grande, é apenas um êxito em França. O mundo não entende este êxito porque parece muito francês, como se fosse algo apenas nacional. Na verdade, vender assim o filme em tantos países é muito bom, ainda por cima porque posso viajar com o filme por paises que não conhecia!!!
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Como tiveste 8 milhões de espectadores em França, sentes-te pressionado para o teu próximo filme?
Quando fiz este filme nunca tinha pensado em 8 milhões. Agora, que estou a escrever um novo guião, se começo a pensar nesses números é muito má ideia! (risos) É mais fácil fazer um segundo filme quando o primeiro teve sucesso do que quando fracassou. Se começamos com um fracasso é quase impossível fazer um segundo filme com qualidade. Assim, obviamente que me sinto mais satisfeito com um êxito do que com um fracasso. Mas é verdade que as pessoas esperam muito de mim no próximo filme; também eu espero muito de mim...
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Cátia C. Simões, c7nema.net