O Pior Homem de Londres
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
Dia 30 maio | IPDJ | 21H30
O PIOR HOMEM DE LONDRES
Rodrigo Areias, PT, 2023, 130’, M/12
sinopse, ficha, técnica e trailer: aqui
nota de intenções
De há muito que admiro a arte dos Pré-Rafaelitas. De Dante Gabriel Rossetti a William Holman Hunt, a Millais e Burne-Jones, todos me fascinaram enquanto artistas, mas muito mais me fascina a sua organização enquanto “irmandade”. A insistência em criarem um movimento de reforma, mesmo que não vanguardista, defendendo a arte pela arte ainda no século XIX, a partir da apropriação do passado, é algo de que muito gosto e, de certa forma, uma recorrência no meu cinema. Revejo-me no princípio da apropriação de géneros ou estilos de um outro tempo transpostos para os dias de hoje.
Enquanto realizador a intenção de me apropriar de um estilo da pintura para a fotografia do filme é fundamental. Aqui, não poderia deixar de procurar usar como palete de tons e cores a mesma que Millais e Burne-Jones usaram para pintar a natureza, a que Rossetti usava para os rostos, o dourado contraste com o flamejante cabelo de Lizzie...
Quando Jorge Luis Borges, nos seus textos críticos de cinema, compara Citizen Kane aos Pré-Rafaelitas evidencia não só a natureza dos enquadramentos como principalmente a revolução do ponto de vista da utilização do foco. Eu vejo o filme um pouco mais narcótico, do ponto de vista da acção, e do contraste dos interiores híper-decorados e escuros com os exteriores luminosos onde imperam jardins e a natureza que os Pré-Rafaelitas souberam tão bem retratar. É, no entanto, um filme de rostos marcados pela dureza da época, da vida, do láudano, e da debilidade da vida dos artistas de outrora, como de hoje. E Howell é fundamental para penetrar na carapaça vitoriana de “bons costumes” de uma Londres ensimesmada. Como foi capaz de influenciar tantos episódios cruciais de uma época que decidiu omiti-lo ou torná-lo num vilão?
Rodrigo Areias
Quem foi esta figura a quem os ingleses chamaram de The Portugee?
A figura de Charles Augustus Howell atravessa, de forma misteriosa, o imaginário inglês da segunda metade do século XIX. Agente de artistas e poetas, negociante de arte e mestre chantagista, é ele quem convence Dante Gabriel Rossetti a exumar o caixão da sua amada Lizzie Siddall, sete anos após a morte desta em 1862, para reaver e publicar o livro de poemas que lhe dedicara e que com ela o fizera sepultar.
Pouco se sabe das origens de Charles Augustus Howell. Terá nascido no Porto, em 1840, filho de pai inglês, Alfred Howell, e mãe portuguesa. Gabava-se das origens aristocráticas da sua ascendência portuguesa: a mãe, Henriqueta Amélia, seria descendente do Marquês de Pombal. Em Londres, onde chegou em 1857, sempre que o formalismo das circunstâncias o impunha, ostentava a cruz latina da Ordem Militar de Cristo, que dizia ser condecoração de família. Desconhece-se como se instalou e como ascendeu na cena artística da cidade. O que é certo é que em 1864 era já secretário de John Ruskin, o crítico de arte mais influente da altura.
Tempos mais tarde, tornou-se agente de Dante Gabriel Rossetti, de quem fora modelo, primeiro. Secretariou Whistler, privou com Ford Maddox Brown. Teve a fama — terá tido o proveito? — de chantagista de figuras ilustres da alta esfera londrina. Arthur Conan Doyle dedicou-lhe honras de vilão numa aventura de Sherlock Holmes: Howell é nem mais nem menos que o aliás Charles Augustus Milverton, o mestre chantagista imortalizado pelo actor Robert Hardy na série da Granada TV (1992) e Charles Augustus Magnussen, representado pelo actor Lars Mikkelsen na série Sherlock (BBC, 2010).
O Pior Homem de Londres — o primeiro filme centrado na figura, história e métodos de Charles Augustus Howell — propõe algumas possibilidades. Pela mão de Rodrigo Areias, Albano Jerónimo dá corpo e alma à figura que Conan Doyle imortalizou como the worst man in London.