TUDO O QUE IMAGINAMOS COMO LUZ
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
IPDJ | 21H30
DIA 9 JAN
TUDO O QUE IMAGINAMOS COMO LUZ
Payal Kapadia, IN/FR/NE/IT, 2024, 115’, M/12
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
notas críticas
Um território povoado por ficções, uma megalópole do sonho e do esquecimento, ali pode-se ser alguém e ninguém ao mesmo tempo. Como um documentário? Sim, como um musical. -
Público, Vasco Câmara ★★★★
Na Índia ninguém diz “eu amo-te”: “Tudo o que Imaginamos como Luz” é um dos mais belos filmes do ano. - Expresso, Francisco Ferreira ★★★★
Há uma frescura e uma clareza emocional no filme de Payal Kapadia, seleccionado para a competição de Cannes, uma humanidade e uma doçura enriquecedoras que coexistem com um erotismo fervoroso e langoroso e, finalmente, algo epifânico nas últimas cenas e nos misteriosos momentos finais. - The Guardian, Peter Bradshaw ★★★★★
Um filme perfeito que sonda a capacidade dos seres humanos de secar as lágrimas, sarar as feridas, sem esquecer ou lamentar por quem e porque bate o seu coração. - Les Inrockuptibles, Ludovic Béot ★★★★★
Tudo o Que Imaginamos Como Luz escuta-se tanto quanto brilha numa pálida luminescência (a luz dos telemóveis na noite), mergulhando-nos num sofisticado banho de som, de pulverização citadina e de franca imersão: o filme está encharcado de chuva. Conta a história da deriva de três mulheres solitárias rumo a uma forma de libertação, para o mar real e o sonho que ele permite, o abraço carnal ou o encontro boca-a-boca, o milagre do prazer, da fábula, abolindo num belo clímax essa forma de inexistência da espera feminina – título de um tão belo filme de Bergman. - Libération, Camille Nevers ★★★★★
As batidas de Tudo o Que Imaginamos Como Luz são calibradas com uma graça hipnótica, criando um ritmo que induz ao puro prazer. - IndieWire, Sophie Monks Kaufman ★★★★★
Lírico e pungente como uma sinfonia citadina, este filme ramifica-se para uma sequela, quando as personagens fogem para o litoral para descobrir o que fazer: uma pausa e um ajuste de contas, fantasmagórico e misterioso. - The Telegraph, Tim Robey ★★★★★
Um dos grandes filmes do ano, em qualquer forma, estilo, ou linguagem. - The New Yorker, Justin Chang ★★★★★
Com apenas dois filmes na sua jovem carreira, Kapadia estabeleceu o seu talento único para encontrar momentos de poesia delicada nos banais versos em branco da vida quotidiana indiana. - Variety, Jessica Kiang ★★★★★
Um trabalho sublime, onde a poesia e a prosa se encontram num equilíbrio infalível, graças à escritora-realizadora Payal Kapadia. - Chicago Tribune, Michael Phillips ★★★★★
Entrevista com Payal Kapadia
All We Imagine as Light – Tudo o Que Imaginamos Como Luz, pelo menos na primeira parte, está profunda e maravilhosamente imerso na vida de Bombaim: as luzes da cidade, lojas, pequenos restaurantes, comboios, autocarros e metros, caves até… Mas também a chuva, que parece estar sempre presente e oferece muito à atmosfera do filme. A Payal é originária de Bombaim?
Eu sou de Bombaim. Nem sempre cresci aqui mas é a cidade com a qual estou mais familiarizada. Bombaim é muito cosmopolita. Pessoas de todo o país vêm para aqui para trabalhar. É multicultural e diversa nesse sentido. É também um lugar onde é um pouco mais fácil para as mulheres trabalharem quando comparado com outros lugares no país.
Eu quis fazer um filme sobre mulheres que abandonam as suas casas para ir trabalhar noutro lugar. Bombaim foi o cenário perfeito para isso.
(…)
Em termos de filmagens, como é que conseguiram fazer um filme que parece realmente pertencer à cidade?
É muito caro filmar em Bombaim porque é lá que está toda a indústria de cinema hindu. Nós filmámos com duas câmaras. A principal foi usada para lugares onde tinhamos permissão para filmar. E a segunda – uma pequena Canon EOS C70 que funcionou muito bem – foi usada para lugares onde não tinhamos permissão. Nós fingíamos que estávamos à procura de cenários exteriores. O elenco foi bastante cooperante, porque já tinham trabalhado em filmes independentes. Isto tornou o processo verdadeiramente enriquecedor.
(…)
As duas enfermeiras que partilham um apartamento, Anu e Prabha, também são originárias da região de Ratnagiri?
Anu e Prabha são do estado de Querala, de onde muitas mulheres que trabalham em Bombaim também são. Em Querala, a enfermagem é uma profissão bem vista, e mulheres que escolhem esta carreira são apoiadas. Muitas mulheres que escolhem trabalhar em Bombaim não são totalmente independentes, mesmo que a sua família esteja longe. Contudo, a contradição que surge é verdadeira para quase todas as mulheres no país. Apesar da autonomia financeira que é possível ter, ainda há laços fortes que ligam uma pessoa à sua família. As famílias ainda controlam regras sociais e escolhas pessoais de quem podemos casar ou amar.
(…)
O filme é também sobre a amizade entre estas mulheres.
A amizade entre estas três mulheres é complexa. Cada uma tem os seus defeitos e nem sempre são perfeitas. Eu estava interessada em olhar para a amizade, uma relação que não tem uma definição concreta. À medida que envelhecemos, os nossos amigos tornam-se num sistema de suporte mais forte, às vezes até mais do que a própria família.
Esta era uma relação que eu queria explorar no filme.
(…)
Quando rodaram o filme?
Rodámos o filme em duas partes. A primeira parte, em Bombaim, foi filmada em Junho e Julho de 2023, durante a fase mais intensa das monções. O festival de Ganapati que surge no meio do filme é um marcador para o começo da segunda parte. Aí, fizemos uma pausa. A segunda parte foi filmada em Novembro. Tivemos de esperar que a estação mudasse. Não há estações na costa oeste da Índia, apenas as épocas da monção e não-monção. Eu queria ter estas duas sensações do clima. Como a segunda parte é em Ratnagiri, a paisagem muda completamente depois da monção. O verde exuberante do campo é coberto por erva seca e a terra vermelha é exposta. O solo vermelho é uma parte integral da identidade de Ratnagiri. Eu queria que essa mudança tivesse lugar para sentir a cor dos dois espaços nas duas estações.
O processo de montagem começou durante a pausa?
Sim. Fizemos um primeiro corte. Gosto de trabalhar dessa maneira. Tem a ver com a experiência que tenho em documentário e não-ficção. Quando se faz um filme de não-ficção, podemos filmar, montar, ver o que falta e filmar novamente. Mesmo que não seja inteiramente possível por razões óbvias, eu gosto de abordar a ficção dessa maneira. O elenco traz algo de novo às personagens, as localizações também trazem algo de novo… Por exemplo, durante este processo inicial de montagem, percebi que havia uma relação muito mais forte entre as três mulheres do que eu pensava. Portanto, quis mais dessa relação na segunda parte. Quis que a Prabha, a Anu e a Parvaty passassem mais tempo juntas. Foi muito agradável trabalhar com estas mulheres: quando estavam juntas eram como uma chama ardente!
Embora All We Imagine as Light – Tudo o Que Imaginamos Como Luz seja a minha primeira longa-metragem de ficção, continua a ser muito importante para mim que ficção e documentário consigam coexistir. O que eu tento fazer é abordar a ficção de uma maneira documental. Considero a justaposição dos dois muito interessante e acredito piamente que torna a não-ficção mais ficcional e a ficção mais documental.
O seu filme anterior, Noite Incerta, ao mesmo tempo uma história de amor e um retrato de uma revolta estudantil, é político de uma forma muito directa. Como descreveria este filme nessa perspectiva?
All We Imagine as Light – Tudo o Que Imaginamos Como Luz certamente não é político de forma directa. Mas eu acho que tudo é essencialmente político. O amor na Índia é extremamente político. Portanto, eu não diria que este filme não o é. Com quem podemos casar é uma coisa muito complexa. Há a questão da casta, a questão da religião… E todas determinam com quem podemos passar a vida, e as consequências que isso pode ter. O amor impossível, que é um dos principais temas aqui, é muito político.
(…)
Como descreveria ser uma realizadora na Índia em 2024?
Eu não sei se isso me define realmente… Na Índia, o género não é a única falta de privilégio que uma pessoa pode ter. Há outras intersecções. Eu sou uma mulher, mas pertenço a uma casta dominante e a uma classe privilegiada. E, por isso, há muitas coisas que consigo mais facilmente do que um homem que não tem as mesmas oportunidades. É difícil para todos fazer filmes, especialmente filmes independentes que tentam ser seleccionados para festivais. Não há dinheiro neste tipo de filmes. Eu estou bastante grata pelos sistemas na Europa. Para regressar à sua questão, eu não me vejo como uma realizadora que não consegue oportunidades por causa do seu género. Eu tenho muitas oportunidades por causa dos meus outros privilégios.