Diamante Bruto
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
DIA 5 JUN | IPDJ | 21H30
DIAMANTE BRUTO
Agathe Riedinger, FR, 2024, 104’, M/14
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
imprensa
Vibrante - Le Parisien ★★★★★
Emocionante - Le Monde ★★★★
Surpreendente - Les Inrockuptibles ★★★★
Impressionante - Le Figaro ★★★★
entrevista à realizadora
Liane já fora a heroína da sua curta-metragem J’ATTENDS JUPITER de 2017. É uma personagem que a acompanha há muito tempo? Como é que ela nasceu?
J’ATTENDS JUPITER e DIAMANT BRUT partilham a mesma heroína, os mesmos temas e nascem de dois fascínios. As cocottes, as "meninas" do final do século XIX e início do século XX, como Caroline Otéro, Émilienne d’Alençon ou Liane de Pougy. Estas mulheres com destinos rocambolescos, muitas vezes nascidas na pobreza, tornaram-se, através da exploração dos seus encantos e da sua combatividade, cortesãs extremamente ricas, quase santas, esposas de príncipes. O meu outro fascínio é pelos reality shows.
Não me refiro a programas de talentos artísticos ou culinários ou de outros como o "Koh-Lanta" ao estilo Crusoé. Refiro-me a reality shows que não mostram senão o talento de "seja você mesmo" e até os considero um tema de estudo fascinante. Mas repudio de todo o coração o desprezo de classe, a hipersexualização das mulheres e o sexismo que exibem, a cultura da violação que alimentam, os valores conservadores e ultraconsumistas que defendem.
Contudo, do ponto de vista dos candidatos, os reality shows são, amiúde, uma saída. Pode ser uma alternativa ao desemprego para quem tem pouco acesso à educação ou ao emprego, para quem sofre de falta de reconhecimento social e emocional. Isto prova que o sucesso, tal como o capitalismo sempre defendeu, já não está reservado apenas à elite. Compreendo perfeitamente que as pessoas queiram concorrer. Estes programas catapultam os candidatos mais brilhantes para uma vida excepcional, plena de dinheiro e luxo, mas também de amor incondicional de fãs de todas as idades. Os programas são vistos tanto por crianças de seis anos como por adultos de cinquenta anos, e as redes sociais dos candidatos mais famosos contam com mais de sete milhões de seguidores. Entre eles, eu. Choca-me a mistura de candura e violência ali exibidas. Fascinam-me aquelas mulheres que exacerbam a sua feminilidade com enormes unhas falsas, extensões de cabelo, nádegas, seios, demasiado compridos, demasiado curtos, demasiado firmes, demasiado coloridos.
Elas são mágicas num mundo onde a aparência é rainha. Um mundo que proclama a sua liberdade de ser, mas que fala também da abnegação que é preciso demonstrar. Um mundo onde a exibição de beleza pode parecer estúpida e narcisista, mas cujo excesso de tudo e de corpos com curvas sobrenaturais (e, portanto, divinas?) me revela o medo de não se ser nada e a necessidade de ser apaziguada.
Ao sentir-me fascinada por estes dois fenómenos separados por mais de um século, percebi que há uma sobreposição perfeita nas trajectórias destas mulheres. Tal como as cocottes, estas jovens de origens modestas vivem uma ascensão meteórica na sociedade, desafiando o politicamente correcto do nosso tempo, celebrando sem limites o culto de si mesmas, despertando paixões e questionando a definição de "verdadeira mulher".
Contam, de um século para o outro, a história de um "sexo frágil" que se torna forte ao transformar a sua fragilidade numa arma de poder, apresentando ao mesmo tempo as três facetas às quais as mulheres ainda são muito coladas: a virgem, a mãe e a prostituta.
Faz da sua personagem uma jovem mulher com um temperamento rebelde e aguerrido, pronta a fazer qualquer coisa para ser considerada e observada.
Liane não tem o carácter que o seu físico inspira. É insolente, impulsiva, atrevida. Ela rouba, troça da autoridade, tem esquemas. Encara a vida com uma veemência quase animal. E se é tão feroz, é porque não se sente amada. Para suprir esta necessidade desesperada de amor, Liane faz de tudo para que reparem nela e recorre àquela que acredita ser a sua única arma: a sua beleza.
Molda- se para ser o mais perfeita possível, independentemente do sofrimento físico que daí possa resultar. Porque a sua beleza é uma forma de destituir, de tomar o poder: quem a olhar fá-la-á existir, quem a desejar ficará sujeito a ela. A sua beleza dá -lhe valor e dignidade.
Liane sente-se esmagada pela sociedade e tem consciência de ser alvo de um certo desprezo de classe. Assim, através da ostentação do corpo, ela encontra uma forma de escapar à realidade, uma forma de se salvar, de não admitir a derrota. "Se sou bonita, sou olhada. Se me olham, sou desejada. Se sou desejada, é porque sou amada". A confusão de Liane é tão radical que a prende num paradoxo: tem uma necessidade terrível de amor, mas não tem confiança suficiente para o receber.
Filmou diversas nuances do olhar…
DIAMANTE BRUTO é um filme sobre o olhar. Foi assim que eu e a produtora, Priscilla Bertin, o pensámos. Quis explorar uma noção muito ampla, criando uma espécie de grande julgamento, já que o olhar traz expectativa e julgamento. Existe o olhar da sociedade sobre Liane, o olhar de amor / ódio do seu público, que a nutre, o olhar de ressentimento que ela tem pelos amigos e pelos homens. E há, claro, o olhar fascinado que ela tem perante os ícones dos reality shows ou as redes sociais. Foi através deste olhar, o de Liane, que escolhi mostrar os reality shows, já que não queria uma representação visual desses programas. Assim, as transmissões são sempre fora do ecrã. Ouvir sem ver permitiu criar o mistério, o poder que Liane dá ao reality show. Mas, acima de tudo, Liane procura o olhar da mãe, aquele olhar original que faz com que uma pessoa se sinta reconhecida. Esse olhar maternal materializa-se no olhar da directora de casting. Quando ela liga a Liane e a recebe para uma audição, aquela mulher manifesta um interesse, um desejo. De certa forma, é ela que a traz ao mundo. E, por fim, há o olhar do espectador sobre Liane. Foi nesse olhar que apostei uma metamorfose.
[entrevista em Pyramide Distribution, por Anne-Claire Cieutat]
AGATHE RIEDINGER
Licenciada pela École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs de Paris (ENSAD), Agathe Riedinger é autora, realizadora e fotógrafa francesa. Recorre a diferentes tipos de narração entre o excesso e a ironia, por vezes deliberadamente vulgares ou surreais, para questionar uma certa visão do mundo e falar de temas que lhe são caros, como a emancipação e a condição da mulher. Realizou as curtas metragens J’ATTENDS JUPITER e EVE, ambas seleccionadas para vários festivais.
DIAMANTE BRUTO é a sua primeira longa-metragem, apresentada em competição no Festival de Cannes de 2024.