Terceiro Andar // presença da realizadora
ciclo do mês - abril 2018

 Críticas  

Um diálogo de afetos sobe as escadas de um prédio do Bairro das Colónias, em Lisboa. São as vozes de Fatumata e Aissato, mãe e filha guineenses. A primeira conta histórias que a outra traduz para português, e esta última combate a ansiedade da escrita de uma primeira carta de amor.
A língua em que se fala ou escreve figura aqui, simbolicamente, na longa raiz suspensa de uma planta, que ornamenta o vácuo do prédio, e que a câmara percorre à medida da subida dos andares. É qualquer coisa que nos remete para este vínculo cultural e geracional trabalhado por Luciana Fina, numa cuidada encenação que deixa entrar um fôlego quotidiano.
Filme que integrou uma instalação desta artista italiana na Fundação Calouste Gulbenkian (com o DocLisboa), Terceiro Andar procura, na beleza do modo de contar, o traço simples do amor enraizado numa língua.
Inês N. Lourenço, dn.pt

 

“Terceiro Andar" foi um dos filmes de que mais gostámos do último DocLisboa. Quando se estreou, este trabalho de Luciana Fina foi complementado por uma instalação no CAM, na Gulbenkian. Nem o primeiro nem a segunda nos deram de barato os seus segredos. "Em que língua vamos contar as histórias que nos foram contadas?" pergunta-nos uma mulher naquele primeiro grande plano. "Em que língua vamos escrever as declarações de amor?" continua. Não há, descobrimos, uma só mulher, mas duas: Fatumata e Aissato Baldé, mãe e filha primogénita de uma família numerosa. Nem uma só língua, mas duas: fula e português. Fatumata é guineense, Aissato portuguesa. São muçulmanas. Vivem num andar do mesmo prédio da realizadora, no Bairro das Colónias, em Lisboa. Imagina-se que o rastilho do filme deve ter sido tão simples quanto isto: curiosa pela vida intramuros das vizinhas, Luciana Fina tocou à campainha do andar do título e pediu-lhes para fazer aquilo que, à falta de melhor, poderia ser descrito pela palavra 'documentário'. Acontece que este filme escapa-se com inventiva e engenho da prática comum de tal designação.
"Terceiro Andar" é feito de passado, de histórias de amor, também de testemunhos de um presente que nos vai sendo anunciado em surdina — e tudo isto se entrelaça numa matéria sensível que nos exige espírito aberto. Os planos são cerradíssimos. A narrativa vem sobretudo da voice over, capaz de gerar um espaço imaginário que trespassa o que vemos no ecrã. Já o escrevemos: Luciana Fina não informa, porque isso significaria diferenciar, criar uma barreira em relação a quem vemos. "Terceiro Andar" não documenta: partilha. Persegue a hipótese de uma comunhão que aqueles movimentos de câmara entre os pisos do prédio figuram — como uma raiz. É um filme que bate à porta para ficar. "Terceiro Andar" [...]
Francisco Ferreira, Expresso