Terra Franca

9 ABR – IPDJ – 21H30 

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Críticas

(...) As expectativas eram imensas – e a pressão também. Depois de Leonor Teles ter vencido o Urso de Ouro no Festival de Berlim, um feito raro no cinema português, com Balada de um Batráquio, ficou a incógnita sobre o que a jovem realizadora iria fazer a seguir. A resposta foi de uma sobriedade e de uma autoconsciência espantosas. Leonor prosseguiu o seu caminho, trabalhando em filmes de outros, sem atalhar etapas e preparando sobriamente este Terra Franca na descoberta da própria linguagem.
Parecia claro que o estilo punk de Balada de um Batráquio – com a própria realizadora e o seu assistente a entrarem por lojas adentro, para partirem sapos de louça – era difícil de repetir. E Leonor não foi por aí. Também não enveredou pela ficção, registo que é sempre mais apetecível, sobretudo a nível comercial. Manteve-se fiel ao percurso íntimo e ofereceu-nos este belíssimo documentário que, ao contrário dos filmes anteriores, não tem qualquer ligação à etnologia cigana mas nem por isso deixa de estar próximo das raízes da realizadora. Enquanto o novo cinema romeno tende a filmar ficções como se fossem documentários, Leonor Teles segue o caminho oposto. O seu filme está próximo da ficção, pela solidez do campo narrativo, a ausência da câmara, a montagem certeira, a naturalidade das personagens que se comportam como atores. Uma técnica apurada, só possível graças a uma grande preparação e um à-vontade com os retratados, e muitas horas de filmagens. De alguma forma, isto aproxima-se das obras mais recentes de João Canijo ou de filmes de produtoras como Terra Treme e Pedra no Sapato (esta última, de resto, produtora deste documentário). (...)

Manuel Halpern, Visão, janeiro 2019

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Terra Franca: Leonor Teles filma um admirável western familiar em Vila Franca

Já sabíamos que por detrás do corpo lado franzino e do rosto maria-rapaz de Leonor Teles residia a determinação de uma cineasta que sabe muito bem o que quer e que vai por onde o seu cinema a leva. E vai muito bem no registo de verdade do universo de um pescador e da narrativa dos preparativos para um casamento familiar. Talvez a verdadeira intenção seja até observar este homem, Albertino, um velho lobo do rio, mas que bem poderia ser um cavaleiro solitário na melhor tradição do western de John Ford ou Clint Eastwood, em que o seu corpo vive dominado paisagem, aqui o rio Tejo, e dividido pela família. Só isso já dava um belo filme. 

Deste trabalho de fôlego arranca a primeira longa metragem de Leonor Teles, quase três anos depois de arrebatar o Urso de Ouro em Berlim com ousadia da curta A Balada de um Batráquio, em que a própria realizadora entrava em lojas de bairro em Lisboa para escaqueirar aqueles sapos de louça assumidos como amuleto ou espanta ciganos. Seguramente, a forma mais decidida para afirmar de onde vinha e a apontar para onde queria ir.

Terra Franca é o filme de Albertino, o pescador solitário, o senhor dos seus hábitos simples e o bom chefe de família. A conjugação dessa personagem intimamente ligada à paisagem litoral e francamente cinematográfica de Vila Franca ajudou a desenhar o filme mental com que Leonor partiu para este projeto. Algo que ganha o devido corpo ao fazer-nos descobrir a família deste homem prestes a casar uma das filhas. É então nessa rota de prevarativos que vamos conhecendo melhor o substrato do homem que só aparentemente se deixa diluir no interior desta família de mulheres, mas que emerge sempre com glória nos seus momentos de solidão junto ao rio.

Leonor conhecia bem esta história, convivia de perto com ela, mas o seu talento e o mérito do filme está na forma serena e igualmente arrebatadora como a transpõe para o ecrã. Nesse sentido, Terra Franca vive nos antípodas da falsa Balada. Talvez porque no seu cinema tudo é muito mais do que meras aparências. É talvez aí que reside a força deste cinema feito de realidade. Veja-se por exemplo, como aos momentos de partilha familiar, tipicamente portuguesa, em que nada parece acontecer, vai Leonor introduzindo inesperados momentos muscais como os standards de jazz na linha de Nat King Cole, acabando por espessar emocionalmente a sua conceção de cinema narrativo. É por essas e por outras, por exemplo, pela forma gradual com que vamos conhecendo esta família e passar a gostar dela, que Terra Franca cresce como o belo filme que tinha de ser ser.

Paulo Portugal, Insider, janeiro 2019

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O Homem e o rio
Terra Franca é um filme de “paz”, onde seria inútil procurar um “pathos”: não importa quão difícil seja a vida, no centro do olhar de Leonor Teles está esta história de comunhão e harmonia.
Terra Franca é primeira longa-metragem de Leonor Teles, depois das bem sucedidas curtas-metragens que foram Rhoma Acans e, sobretudo, Balada de um Batráquio, premiada em Berlim. O lado destroy, muito punk, do filme do batráquio (que, recorde-se, escaqueirava um número incontável daqueles horrendos sapos de louça que certas lojas põem à entrada para afastar “os ciganos”), dá lugar a um objecto de natureza bem diferente, imerso num realismo contemplativo e intimista, feito de observação e proximidade, e, no que porventura é o seu traço mais distintivo, singularmente isento de qualquer espécie de “drama”. Continuam a ser as raízes de Leonor – natural de Vila Franca de Xira, a “terra franca” que a realizadora aqui filma – mas a relação pessoal é mais distanciada, e tudo se põe por trás dos sujeitos de observação do filme: um pescador (Albertino, sósia quase perfeito, incluindo o bigode, do protagonista do Western de Valeska Grisebach) e a sua família, nas semanas que antecedem o casamento da filha. 

A imagem leitmotiv do filme são os planos de Albertino sozinho no rio, nas margens ou numa pequena embarcação, que voltam repetidamente e sempre numa duração considerável. Não menorizando tudo o resto, são estas imagens que definem o centro de Terra Franca, e fazem dele um filme de “paz”, um filme onde seria inútil procurar um pathos: não importa quão difícil seja a vida (e há, inevitavelmente, algumas referências à “crise”, tendo a rodagem do filme arrancado ainda durante os anos da troika), no centro do olhar de Leonor está esta história de comunhão e harmonia, entre um homem e o seu meio ambiente, familiar, geográfico, laboral (porque tudo se funde, é daí que vem a comunhão). Com esse leitmotiv, Terra Franca pode então declinar-se numa série de cenas, algumas bastante longas, que decompõem e particularizam uma família (os diálogos durante as cenas de refeições, os preparativos do casamento), e no-la fazem aparecer em toda a sua plenitude individual sem com isso se perder a dimensão “tipológica” que a faz valer também enquanto retrato propriamente “social”. Esse vai e vem de uma dimensão a outra (pontuado ainda por momentos algo elegíacos e alimentados por escolhas musicais inesperadas: Nat King Cole, Otis Redding...), feito sem quaisquer recursos retóricos convencionais (nem voz “off” nem “comentário” explícito), assegura a força, contemplativa e discreta, de Terra Franca.

Luís Miguel Oliveira, Ipsilon, janeiro 2019

 

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Outras leituras:

"É daqui que eu venho": esta é a "Terra Franca" de Leonor Teles, André Almeida Santos, Observador, outubro 2018

DocLisboa 2018: Entrevista com Leonor Teles sobre "Terra Franca", Nuno Oliveira, Cinema7arte, outubro 2018