O Homem da Manivela / The Cameraman

Análise

O cómico que nunca ria

Baptizado de Buster por sobreviver a uma queda com apenas seis meses, fez do gag físico a sua imagem de marca.

Actor, argumentista e realizador da maior parte dos filmes, fazia humor sem nunca esboçar um sorriso.

Ainda que tenha sido um enorme fracasso de bilheteira, Pamplinas Maquinista era considerado por Buster Keaton como o seu melhor filme. Baseado em Daring and Suffering: a History of the Great Railway Adventure, de William Pitinger, o relato da trágica história verídica do assalto à locomotiva The General (nome que dá título ao filme na sua versão original) durante o período da Guerra da Secessão norte-americana, Pamplinas Maquinista constituiu um dos projectos mais ambiciosos de Keaton. A rodagem do filme decorreu no estado de Oregon, onde foi construído um grandioso cenário que incluía a ponte que surge na cena final, até então a mais cara da história do cinema. Ao todo, foram necessários 500 membros da Guarda Nacional e várias locomotivas para transportar e garantir a segurança dos 18 vagões de equipamento usados na produção. De modo a dar maior credibilidade à perseguição da locomotiva, grande parte das cenas foi filmada por uma câmara montada num carro que ia acompanhando a acção.Apesar do investimento realizado, a história de Pamplinas Maquinista é muito simples. Quando vê a sua locomotiva ser roubada por um grupo de soldados nortistas e a sua namorada, Anabelle Lee (Marion Mack), ser raptada, Johnny Gray (Buster Keaton) não hesita em persegui-los ao longo da via-férrea. Exemplo paradigmático do humor de Keaton, Pamplinas Maquinista é hoje considerado como uma das suas obras-primas.

 O desastre comercial à data da sua estreia, em Fevereiro de 1927, daria, porém, início a uma viragem na carreira do realizador, cuja frágil situação económica o faria assinar, pouco tempo depois, um contrato com a MGM, deixando assim de gozar da liberdade de criação que o caracterizava.

 Joseph Frank Keaton nasceu a 4 de Outubro de 1895, em Piqua, no Kansas, durante uma digressão dos seus pais, Joe e Myra, por aquele estado norte-americano. Desde cedo que terá sido "rebaptizado" por Buster, nome pelo qual ficaria conhecido na história do cinema. Ao que parece, com apenas seis meses Keaton terá caído de umas escadas. Ao assistir à cena, o famoso ilusionista, Harry Houdini, terá dito: What a buster! ou em português "Que queda!" Assim nascia o apelido que acompanharia o realizador por toda a vida.

De facto, os primeiros anos da vida de Buster seriam marcados pelos mais arriscados saltos e quedas. Myra, uma saxofonista, e Joe, um actor e dançarino brigão, mantinham há já alguns anos um espectáculo de vaudeville (music-hall) e depressa integraram o filho nas suas performances. Em 1899, com apenas quatro anos, Buster estreava-se em palco ao lado dos pais, com quem formava os Três Keatons. Em cena, o pequeno rapaz parecia ser só mais um adereço que o pai utilizava para varrer o chão - chegou a ser apelidado de "A Esfregona Humana" -, atirar ao fosso da orquestra ou mesmo a algum membro do público menos satisfeito com o espectáculo.

Aparentemente insensível à dor, Buster terá, deste modo, aprendido a cair sem se magoar e a fazer do corpo o seu verdadeiro instrumento de trabalho que, ao longo da sua carreira, usaria em inúmeras quedas acrobáticas e gags físicos, elemento fundamental do seu humor.

No início do século XX, a violência com que era tratado pelo pai em palco - aos oito anos um soco mal calculado por Joe fê-lo ficar inconsciente durante 18 horas - chocava a sociedade norte-americana e várias instituições de protecção de menores tentaram pôr fim ao espectáculo.

O feitio conturbado de Joe acabaria por levar à separação dos Três Keatons em 1917. Com 22 anos, Buster parte para Nova Iorque onde é contratado por Mack Sennett para participar, ao lado de Roscoe Fatty Arbuckle, "o obeso com cara de bebé", em comédias construídas em torno de perseguições e de lutas de tartes de chantilly.

Depois de uma muito bem-sucedida parceria com Fatty, Buster tem, no início da década de 1920, a oportunidade de criar os seus próprios estúdios. Através das Buster Keaton Productions escreve, realiza e dá corpo - Keaton recusava a recorrer a duplos e efectuava todos os seus gags por mais perigosos que pudessem ser - a inúmeras curtas e longas-metragens. "De uma forma mais abrangente, dá origem a um género distinto do cinema, o burlesco, que, além do riso, aborda a relação difícil entre os homens e os objectos, o espaço e os outros", afirma o investigador em Cinema, Stéphane Goudet, nos Cahiers do Cinema, e acrescenta: "Já não é necessário legitimar Buster Keaton para lhe garantir o lugar central que lhe pertence na história do cinema mundial. Por conseguinte, também já não é necessário opô-lo estrategicamente a Charlie Chaplin. Esta luta da cinefilia foi ganha e Chaplin e Keaton saíram ambos vencedores, mestres incontestados do cómico e do burlesco."

Liliana Duarte

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