Verão 1993 / Estiu 1993

 Críticas

 

COMENTÁRIO DA REALIZADORA

Uma família é uma família. Um pai é um pai, uma mãe é uma mãe, um filho é um filho, uma filha é uma filha e um irmão é um irmão. Mal questionamos as raízes destas relações. Basicamente, elas são assim, como todos as compreendemos, como todos as experienciamos. Contudo, para Frida e a sua nova família, estas evidências não são assim tão evidentes… SUMMER 1993 reflecte as relações familiares através da observação de como uma família tem de se reconstruir. De repente, um tio, uma tia e uma prima têm de se tornar um pai, uma mãe e uma irmã. Transformam-se subitamente numa família e têm de criar, ou transformar, as suas relações já existentes. Frida tem de encontrar o seu lugar na família, Marga e Esteve têm de aprender a amá-la como se fosse filha deles e Anna tem de aceitar uma nova irmã mais velha. Espero que o filme ajude o público a lembrar-se da importância destas relações básicas e a valorizá-las um pouco mais. Alambique Filmes

 

A infância nua

Da Catalunha, chega-nos uma primeira longa luminosa sobre a vida emocional de uma personagem de palmo e meio.

Não há, no cinema, tema que mais se preste à manipulação e ao sentimentalismo do que o da infância. De facto, raros são os filmes que — como os “Quatrocentos Golpes” de Truffaut — se recusam a projetar sobre as suas figurações da infância a nostalgia adulta que por ela sentem, tentando antes apanhá-la em flagrante delito. Digamo-lo já: a obra que esta semana destacamos (“Verão 1993”, a longa de estreia da catalã Carla Simón) é dessa estirpe, oferecendo-nos uma representação autobiográfica da infância que, sendo embora muito comovente, não cede um milímetro ao patético.

O primeiro sinal de que o filme deseja surpreender a infância em estado bruto reside no modo como, desde o início, ele nos mergulha no ponto de vista da protagonista. Falamos de Frida, uma miúda de seis anos (magnificamente interpretada pela estreante Laia Artigas) que vai assistindo à remoção de toda a mobília existente no apartamento onde se encontra. O olhar confuso com que ela observa esses trabalhos (como quem pergunta: “o que se passa?”) é também o nosso. Ou melhor, aquele que o filme nos obriga a assumir, não apenas por força da sua mise en scène — assente em cerrados planos de câmara à mão que nos grudam ao corpo da personagem —, mas ainda pela forma como nos subtrai qualquer âncora narrativa que pudesse distanciar-nos do presente de Frida: tudo o que sabemos é o que ela própria vai sabendo, ao escutar as sussurradas conversas dos adultos. Através delas, compreendemos depressa que a rapariga acabou de perder a sua jovem mãe viúva, que, em testamento, incumbiu o irmão e a nora (que têm já a seu cargo uma filha com três anos) de zelarem pela sua educação. Essa ‘passagem de testemunho’ fá-la-á deixar Barcelona (onde vive a maioria dos seus familiares), para se instalar com os tios e a prima na sua casa de campo, situada numa aldeia catalã da qual a câmara não voltará a sair.

O que se segue é, meramente, o estudo da adaptação de Frida à sua nova vida. De maneira a levá-lo a cabo, Simón apoiar-se-á numa montagem elíptica, que vai justapondo cenas do quotidiano de uma miúda que, durante as férias de verão de 1993 (entre brincadeiras com a prima e passeios pelo bosque local), se vai lentamente apercebendo da sua condição de órfã. Neste quadro, a primeira coisa que se nota é o modo como o filme se faz cúmplice do processo de maturação dos sentimentos da protagonista, sondando com paciência as suas inflexões ao longo do tempo, num registo naturalista que nada tenta forçar (tudo é encenado com o mínimo possível de dramatização). Ainda mais notável do que isso é a forma como, prescindindo com coragem da psicologia, a cineasta nos instala fisicamente no universo emocional da rapariga, dedicando-se para isso a uma análise sistemática dos seus olhares e dos seus gestos. Com efeito, é pela maneira como Frida age em face da prima que percebemos os ciúmes que dela sente, e é pela maneira como se vai aproximando timidamente da tia que percebemos o medo que tem de ser rejeitada por ela. E é, já agora, pelas catárticas lágrimas que ela verte na última cena que ficamos a saber que — como toda a gente — ela demorou o seu próprio tempo a digerir uma perda irreversível. É francamente desarmante, a simplicidade e a sensibilidade desta primeira longa, que, como poucas, faz questão de permanecer a todo o momento à altura daquela que filma. Aguardemos, pois, por mais boas notícias da parte de Carla Simón.

Vasco Baptista Marques, Expresso

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Bruscamente num verão passado

Como reage uma criança de seis anos à morte da mãe? Verão 1993 é um comovente retrato de infância vivido na primeira pessoa pela realizadora espanhola Carla Simón. [...]

O cinema como ato íntimo de criação. Assim se pode definir, pelo delicado tom autobiográfico, a primeira longa-metragem da espanhola Carla Simón. À conversa com o DN, a realizadora confessou a sua surpresa diante do caloroso acolhimento desteVerão 1993, tanto em Espanha como a nível internacional. O filme que chega agora às salas portuguesas, falado em língua catalã, arrecadou o prémio de melhor primeira obra no Festival de Berlim 2017, e um pouco por todo o lado tem deixado um rasto de admiração.

A história de Frida, uma menina de seis anos que fica órfã nesse estio de 1993, é a história de uma educação sentimental. Entregue ao núcleo familiar do irmão da sua mãe, que morreu com Sida, ela muda-se de Barcelona para uma zona rural da Catalunha, onde vai tateando a nova realidade com uma expressão de desconfiança. Logo no início, alguém lhe pergunta porque é que não chora. E esse, como explicou Carla Simón, foi o ângulo escolhido para revisitar estes dias de luto da sua infância: "Foi sempre estranho para mim o facto de não ter chorado a morte da minha mãe. E a minha mãe adotiva contou-me que, um dia, assim do nada, como se vê no filme, comecei a chorar sem saber porquê, e com uma intensidade que causou espanto em toda a gente à minha volta. Então achei que trabalhar discretamente a emoção no filme, começando com a Frida a não deitar uma única lágrima e acabando naquele choro forte, era o que definiria o arco da narrativa". E continua: "Na verdade, eu não tenho uma memória muito concreta dessa época. Foram os meus pais adotivos que me contaram várias coisas que estão no filme, e também através de fotos minhas dessa altura pude recriar alguns momentos."

O que é que faz com que uma memória de infância tenha um reflexo tão universal? Talvez o modo como a realizadora capta a atmosfera deste retrato partilhado, sobretudo, entre Frida e a nova irmã (mais pequena), convertendo-a numa comovente crónica dos gestos das crianças, no seu mundo à parte.

Em Verão 1993, respiramos o mesmo ar que aquelas meninas, intuímos os seus pensamentos e sentimos a frescura da natureza em contraste com uma ferida aberta que é a dificuldade dos recentes laços familiares. Ou seja, a intenção de Simón concretizou-se: "Os filmes que mais me emocionam são aqueles que contêm pedaços de vida, que se aproximam do fôlego da realidade, e por isso era muito importante alcançar essa sensação. Não tanto por ser a minha história, mas precisamente para o espectador sentir a personagem de Frida."

Num ou noutro momento, o filme abre-se a uma vaga consciência de época relacionada com a questão do vírus da Sida - que se propagou intensamente em Espanha entre 1981 e 1997, coincidindo o início com os anos seguintes à queda do franquismo, período de novas liberdades e experiências. "Houve muita gente que, depois de ver o filme, se dirigiu a mim dizendo que esta era também a sua história, que os seus pais também tinham morrido de Sida, e isso deu-me uma noção geracional que até aí não tinha", conta. Verão 1993 é, por isso, um objeto em que a mágoa de um tempo, mas também a sua superação, cabem nos olhos de uma criança cheia de vida.

*** (Bom)

Inês N. Lourenço, dn

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REVISTA DE IMPRENSA INTERNACIONAL

Esta estreia auto-biográfica da realizadora espanhola, de 32 anos, é um tesouro. Na sua subtileza, riqueza e afecto, é absolutamente cativante – complexa e simples em simultâneo. Também é muito comovente. Summer 1993 fala da infância e da relação tensa de uma criança com o mundo dos adultos e conta com um dos mais miraculosos desempenhos de crianças que tenho em memória, apesar de os conceitos “desempenho” e “actuação” serem insignificantes para crianças destas idades: duas meninas de seis e três anos. Simón tem uma forma magistral de controlar cenas longas e sem falas, apenas com Frida e Anna: a essência de crianças a brincar sem um objectivo, percebendo, com espanto, que algo de muito errado se passa. O filme ilustra várias cenas de deitar ou tomar banho e deixa-as desenrolarem-se, dando a ideia de tempo real. Há uma grande sabedoria nisso. É um filme encantador. The Guardian

Comoventemente subtil, com actuações maravilhosas. New York Times

Uma obra extraordinária e bela de luto e memória. Village Voice

No fim, Summer 1993 revela-se um filme belo sobre a força da repressão (...) de uma epopeia afectiva em que o paraíso perdido da infância e os cumes do desespero nunca nos pareceram tão próximos.  Le Monde

(...) um dos filmes espanhóis mais impressionantes do ano. El País

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