Varda por Agnès
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Categoria hospedeira: Ciclo do mês
12 NOV | IPDJ | 21H30
VARDA POR AGNÈS, Agnès Varda, França, 2019, 115', M/12
trailer, sinopse e ficha técnica: aqui
críticas:
No documentário "Varda por Agnès" está o mais belo adeus
Em março, morreu, aos 90 anos, uma das mais importantes mulheres da História do Cinema. Agnès Varda deixou-nos um belíssimo filme autobiográfico [...]
Em 1984, foi editado o livro Roman por Polanski, autobiografia em que o realizador polaco revelava o homem que estava por detrás do cineasta. Agnès Varda faz o exercício inverso. Alguns dos seus filmes, como As Praias de Agnès (2009), são suficientemente pessoais para conhecermos parte da sua intimidade. Por isso o que propõe, num filme póstumo e quase testamental, é um olhar seu sobre a sua própria obra. Mas olhando-a, claro está, também se revela a si própria, porque este é um caso em que criador e criação são claramente coincidentes.
Vemos Agnès, já com 90 anos, mas de uma lucidez invejável, sentada numa pequena mesa, como se estivesse na varanda de sua casa a falar com uma audiência interessada. Vai percorrendo a sua carreira, não de forma exaustiva, mas sempre salientando episódios marcantes, detalhes que nos ajudam a melhor entender ou descodificar a sua obra. Um filme impregnado de nostalgia mas também com uma força semiótica e intertextual que fascina cinéfilos. No cinema de Varda nada é deixado ao acaso e ela aqui mostra o motivo para cada opção, tomando decisões muitas vezes ousadas, originais e disruptivas, dando razão a quem diz que construiu a sua própria nouvelle vague.
Das primeiras obras à relação com Jacques Demy, seu marido, aos filmes com Jane Birkin e Sandrine Bonnaire, é tudo tão rico como desafiante. Torna-se impressionante a vitalidade dos últimos anos, sobretudo após o êxito de Os Respigadores e a Respigadora (2000), quando Varda , sem preconceitos, se deixou seduzir pelas artes plásticas, construindo magníficas instalações que de alguma forma também reinventam o cinema.
Vendo o filme, originalmente produzido para uma série de TV, fica a ideia e a angústia de que, apesar de já contar com 90 anos, Agnès Varda ainda teria muito, mas mesmo muito, para dar ao cinema. Mas esta não deixa de ser a mais bonita e comovente forma de dizer adeus.
Manuel Halpern, visão
O cinema e as suas praias
No seu filme final, Agnès Varda convida o espectador a descobrir a sua própria trajectória pessoal, para além do documentário e da ficção, sempre empenhada em descobrir a pluralidade do seres humanos.
O património filmográfico de Agnès Varda (1928-2019) é, de facto, impressionante. Nele encontramos notáveis ficções como "Duas Horas na Vida de uma Mulher" (1962) ou "Sem Eira nem Beira" (1985), a par de insólitos e sedutores exercícios documentais como "Olhares Lugares" (2017), co-assinado com o fotógrafo JR.
Reencontrá-la, agora, com o seu filme final — "Varda por Agnès" (2019) — envolve, por isso, qualquer coisa de didáctico. Mais do que um documentário auto-biográfico, Varda quis partilhar com o espectador uma espécie de pessoalíssimo bloco-notas elaborado a partir de diversas conversas/conferências.
Em boa verdade, somos levados a considerar que, em qualquer registo, o labor de Varda teve sempre qualquer coisa de ambivalente, a ponto de o gosto de contar histórias e a procura de sentidos para a sua própria história se cruzarem e, mutuamente, se iluminarem. Nesta perspectiva, "Varda por Agnès" funciona como complemento narrativo e simbólico de "As Praias de Agnès" (2008).
Tal como o seu marido, Jacques Demy (1931-1990), ela foi, afinal, uma criadora profundamente ligada ao espírito inovador da Nova Vaga francesa, acabando por construir uma obra que, ao longo de mais de meio século, se empenhou em lidar com todas as formas do humano — ""Varda por Agnès" é também uma crónica sobre a arte de ser espectador(a) do mundo.
João Lopes, rtp.pt/cinemax