Lobo e Cão
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Categoria hospedeira: Programação
colaboração com a Associação aeQuum - Apoio à Inclusão LGBTI+, no âmbito do LOUD FEST 2023
5ªF - 29 JUN | 21h30 | IPDJ
LOBO E CÃO
Cláudia Varejão, Portugal, 2022, 111’, M/14
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
nota da realizadora
A primeira vez que aterrei em São Miguel o sol já se punha. O céu estava nublado e o azul era de tal maneira penetrante que toda a vegetação absorvia o tom índigo. Retive a imagem de uma ilha azul e recordei os versos de Sá de Miranda: no meio do claro dia / andais entre lobo e cão. O poema fala dessa luz indefinida, crepuscular, que desperta a agressividade de um lobo ou a doçura de um cão. Revelar-se-iam assim, para mim, os ilhéus: gente que se ergue de forças opostas. As dicotomias fazem por isso parte deste filme: união e isolamento, certeza e dúvida, luz e escuridão, sonho e realidade.
A luta pela liberdade individual, o combate às desigualdades socioeconómicas e à injustiça em que vivem as minorias são assuntos que me movem e que, diria, nos implicam a todes. Sobretudo quando acedemos a contextos mais isolados, como nas ilhas, em que ainda se conservam tradições e crenças ancestrais que impedem que as sociedades se abram à mudança. Mas a juventude pouco se importa com as heranças: questiona e quebra os moldes e abre novos caminhos. Não existe tempo nem lugar mais audaz. É aqui que se levantam os véus e os olhos, pela primeira vez, tudo recebem, sem julgar. São os dias brilhantes onde o amor pode tudo. Nada é banal quando sentimos empatia pelo universo que retratamos. São as emoções, longínquas e misteriosas, que nos fazem escolher e realçar aquilo para que olhamos. Dar voz é convocar todo um universo pessoal e identitário sem o subjugar à moral de um tempo. É um esforço para destacar a beleza e a singularidade de cada vida. Parti para este filme com o desejo de retratar lugares que me interessam: as heranças dos papéis sociais e familiares e as questões em torno da identidade de género. E porque falar desses temas é também falar de rupturas, este filme ilumina aquilo que opera em nós quando as mudanças não são escolhas mas sim fortunas. Entre ficar e partir há espaço para todas as tensões, dúvidas e desejos. Direi que este é, precisamente, um filme sobre entres: entre a terra e o mar, a noite e o dia, o feminino e o masculino, o real e o sonho. Entre ficar ou partir.
Lobo e Cão é a silhueta do meu mundo interior mas é também o resultado da longa pesquisa que fiz com jovens e habitantes da ilha de São Miguel provenientes de circunstâncias diversas e cujas suas histórias em muito contribuíram para a narrativa e forma do filme. Sendo a realidade o universo primordial do meu olhar filmográfico, é também esse o território onde me movi ao longo de todo o processo de feitura do filme: os actores não são profissionais, a equipa técnica e artística é composta por diversos elementos locais e o envolvimento da comunidade local é a trave mestra da obra. E dada a fragilidade social que encontrámos durante a pesquisa e castings, envolvemo-nos ainda na criação de um projecto de apoio social à comunidade LGBTQI+ do Arquipélago, o projecto (A)MAR – Açores Pela Diversidade.
A ficção surge em Lobo e Cão como um lugar de liberdade de criação do eu e da própria ideia de comunidade, onde cada pessoa envolvida pode ser aquilo que (ainda) não é e a interacção em grupo abre-se a novas possibilidades. É a pedra de toque para o lugar de mudança e campo para semear os sonhos ocultos. Acredito que a obscuridão em que muitos jovens do filme moldaram as suas vidas é também o lugar que os permitiu encontrar a luz certa para moldar as suas personagens. Ou como Paul B. Preciado (citado numa cena do filme) nos fala sobre o privilégio de se ser frágil, porque a revolução age através da debilidade.
Cláudia Varejão
imprensa
O filme "Lobo e Cão", de Cláudia Varejão, conquistou o prémio principal da competição "Dias dos Autores", paralela ao Festival Internacional de Cinema de Veneza ...
O júri foi presidido pela realizadora Céline Sciamma, com a colaboração de Karel Och, e classificou o filme como “hipnotizante” e “importante”... Visão
“Lobo e Cão é a silhueta do meu mundo interior mas é também o resultado da longa pesquisa que fiz com jovens e habitantes da ilha de São Miguel provenientes de circunstâncias diversas e cujas suas histórias em muito contribuíram para a narrativa e forma do filme.“, afirma Cláudia Varejão e que diz ainda que “Sendo a realidade o universo primordial do meu olhar filmográfico, é também esse o território onde me movi ao longo de todo o processo de feitura do filme: os actores não são profissionais, a equipa técnica e artística é composta por diversos elementos locais e o envolvimento da comunidade local é a trave mestra da obra.“, diz a realizadora de “Lobo e Cão” e de outras obras como “Amor Fati” (2019), “Ama-San” (2016) ou “No Escuro Descalço os meus Sapatos” (2016). Comunidade Cultura e Arte
Segundo Varejão, o filme aborda questões humanas “que têm um pulsar muito visível e muito forte na juventude”, nomeadamente “a sexualidade, o desejo de transgredir - e transgredir socialmente, como o próprio território, portanto, atravessar a linha do horizonte -, as questões emocionais e afectivas, as questões profissionais e as familiares, as questões morais”. Rodado com elenco amador, o filme ganha ainda uma outra dimensão por mostrar “como é que é ser jovem num território cercado pelo mar e, nestes contextos em particular, de bastantes dificuldades económicas e sociais” e em que a ideia de “atingir outros lugares, outros conhecimentos, para concretizar o sonho, está mais comprometida”. Público
Com Lobo e Cão, a sua primeira longa de ficção, premiada em Veneza, a cineasta portuense não perde a sua ligação ao documentário, mas descobre um putrp espaço de liberdade e de expressão pessoal.
... Lobo e Cão não é uma ficção como as outras. Incorpora vivências pessoais dos seus actores, todos eles não-profissionais naturais da ilha, numa experiência de criação colectiva integrada na própria comunidade. Ao ponto da produção se ter envolvido directamente na criação de uma estrutura de apoio social à comunidade LGBTQ do arquipélago, (A)MAR – Açores pela diversidade.
Apesar disso, este não é um filme queer – não é uma identidade sexual ou de género que está no seu centro, a própria realizadora insiste que “há muitos pontos para qualquer ser humano se identificar ali dentro”. É, antes, sobre a pertença, sobre as primeiras escolhas, sobre aprender a viver, tudo no momento em que é preciso escolher entre ficar e partir.
[...] Lobo e Cão é um longo rio tranquilo onde meditamos sobre o que significa ter sonhos e desejos que transcendem o sítio onde estamos, sobre o encontrar alguém que nos compreenda – situações transversais a toda a humanidade, independentemente da sua identidade.
Jorge Mourinha, Público ★★★★