Family Romance, LCC
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
5ªF | IPDJ | 20h21m
DIA 29
FAMILY ROMANCE, LCC, Werner Herzog, Alemanha/Japão, 89', M/12
sinopse, ficha técnica e trailer:aqui
críticas
O documentário também é uma ficção
O cineasta alemão Werner Herzog continua a desafiar, com imaginação, didactismo e humor, as fronteiras entre "documentário" e "ficção": em "Family Romance, LLC" revela-nos uma empresa japonesa que cria situações para incrustar na vida dos outros.
Para acedermos ao mundo documental do alemão Werner Herzog, necessitamos de integrar a ideia, tão linear quanto perturbante, de que o documentário não exclui a ficção. Dito de outro modo: em "Family Romance, LLC", os nossos pensamentos e sentidos vão vacilar, quanto mais não seja porque este acompanhamento das actividades de uma empresa que "aluga" seres humanos para criar, ou melhor, incrustar cenas de ficção na vida dos outros (seus clientes) reflecte a vertigem de um mundo em que tudo pode ser simulacro.
Que mundo é esse? Pois bem, o dos dramas e melodramas de uma empresa japonesa (Family Romance, precisamente) que funciona como uma espécie de "troupe" de actores, liderada pelo admirável Ishii Yuichi. A sua especialidade: "preencher" as lacunas das vidas de outros — por exemplo, permitindo a uma jovem adolescente que, finalmente, conheça o pai —, "corrigindo" as respectivas limitações factuais ou afectivas.
O filme comete a proeza de se desenvolver através de um fascinante paradoxo: assim, por um lado, vogamos no interior daquilo que apetece chamar um delírio "racionalizado" — por exemplo, Yuichi falando com a sua "filha" e, depois, contando à mãe aquilo que aconteceu; ao mesmo tempo, por outro lado, por mais inverosímil que cada situação possa parecer, Herzog sabe conservar uma intensa, por vezes perturbante, sensação de espontaneidade.
Já conhecíamos este gosto de Werner Herzog se apropriar dos dados mais peculiares das nossas vivências — lembremos o exemplo de "Eis o Admirável Mundo em Rede" (2016), sobre os prós e contras da Internet —, projectando-os numa envolvente ambiguidade. Não se trata tanto de perguntar o grau de "verdade" daquilo que nos é dado ver, antes de reconhecer que a dicotomia clássica — verdade/mentira — se revela insuficiente para dar conta de um mundo em constante reconversão do seu bizarro naturalismo. Daí que "Family Romance, LLC" tenha tanto de aventura de insólita ficção científica como de cândida reportagem.
JÃO LOPES, rtp.pt/cinemax/
Werner Herzog abdica da sua tão celebre (e satirizada até à exaustão) narração naquele que é possivelmente um dos seus filmes mais espirituosos e ternos dos últimos anos.
Partindo em viagem para às metrópoles japonesas, Tóquio como destino assumido, o cineasta alemão vai ao encontro de algo bizarro segundo a perceção ocidental: uma empresa onde é possível alugar um “familiar”, um “amigo” ou qualquer outra forma de afeição. Isto, num país onde a solidão é mais que tudo, uma parte integra da rotina, da existência e do individualismo silenciado. Todavia, nem todos desejam viver sob esses sacrifícios coletivos em prol da nação e, como tal, a “Family Romance, LLC” foi criada para responder às necessidades de alguns.
Ideia inconcebível para quem, como é o caso de muitas realidades da ala ocidentalizada do mundo, a noção de família ou de intimidade são territórios sagrados e indissociáveis à natureza do indivíduo. Herzog vem para alimentar os mitos de exotismo e estranheza quase nos antípodas da sociedade japonesa, e através disso busca a alma do negócio e – por sua vez – o abalo sísmico para com o mesmo. No epicentro desse mesmo estudo está Yuichi Ishii, presidente executivo da empresa que é requisitado para uma das mais árduas tarefas da instituição (contratado por uma mulher solitária para pretender ser o pai da sua filha adolescente).
Por mais bizarro e incomodo que este filme aborde, durante a sua investigação, os efeitos desse isolamento afetivo apenas resolvido pela farsa, manifestam-se as consequências existenciais de Ishii, que questiona constantemente a sua posição enquanto ser humano e a verdadeira essência da sua alma, contagiada pelas diversas vidas de passagem (o próprio compara-se com um camaleão e procura na ideia fixada da morte a resposta para os seus males).
O profissionalismo e rigor pelo qual os japoneses são mundialmente encarados são ingredientes que valham para a cedência do ator improvisado em relação ao seu bem-estar. Mas nem sempre essa camada supostamente fria é impenetrável. Herzog, que começa por interessar-se pelo negócio e o seu processo de execução, abdica (mais uma cedência!) do seu caso de estudo para acompanhar esta crise identitária e as necessidades que vão sendo descobertas em Ishii.
A partir daí, o filme encena-se em prol de um teatro de crueldade e de martirologia, pois para consolidar almas inquietas e quebradas pela distância sentimental, o nosso protagonista imola a sua felicidade, o conforto de um lar, os afetos genuínos, e não somente dramatizados.
Um dos melhores filmes de Werner Herzog nos últimos 10 anos.
HUGO LOPES, c7nema.net/